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As (re)orquestrações Covid-19

Foto: Paula Gomes-Ribeiro


A rentrée de 2020 — quando possível — fez-se sob condições muito particulares: desinfetante para as mãos, circuitos de circulação definidos, desinfetante para as mãos, uso obrigatório de máscaras, desinfetante para as mãos, diminuição da lotação das salas de espetáculo, desinfetante para as mãos, constrangimentos às orquestras tocarem nos fossos, desinfetante para as mãos, em alguns casos testes obrigatórios à covid-19, desinfetante para as mãos, etc…

Por toda a parte, instituições e agentes culturais, artistas, técnicos e público tentam adaptar-se às novas regras de saúde pública impostas pelos governos locais, que apesar de tudo, não são as mesmas em todos os países. Assistir ou participar num espetáculo é hoje diferente, a experiência e socialização próprias à visita de uma sala de espetáculo, que nos eram familiares, readaptam-se à medida que tentamos integrar todos os novos condicionalismos, normalizando-os mesmo quando se nos apresentam estranhos.

A ópera, entre as artes de palco, sobretudo por causa das suas dimensões (orquestra, coro, solistas), é talvez a mais condicionada pela covid-19, obrigando os seus produtores a encontrar soluções imaginativas que permitam a execução das várias produções programadas, enquanto os teatros não fecham. Essas soluções passam, por um lado, por acentuar a tendência, que já se verificava antes da pandemia, para um maior uso dos meios tecnológicos disponíveis que permitem, por exemplo, projetar o coro – gravado ou em tempo real – transformando a sua presença física numa presença mediada, evitando um grande ajuntamento de coralistas no palco. Por outro lado, o «distanciamento social» ou a «distância de segurança», tornou, se não impossível, pelo menos extremamente difícil às orquestras a interpretação de grandes orquestrações, obrigando a que uma boa parte do cânone operático fosse reorquestrado. Assim, pela primeira vez nos últimos anos, vemos um pouco por toda a Europa levadas a palco novas versões musicais de Puccini, Bizet, Donizetti, Verdi, Mozart, Berg, etc…

Esse fenómeno chegou já a Portugal, não ao TNSC que suspendeu as suas produções teatrais e optou por fazer a ópera La Wally, de Alfredo Catalani, em versão de concerto no lugar de encená-la, — o que, infelizmente, não nos surpreende — mas, por exemplo, durante o Operafest, em Lisboa, foi apresentada entre 21 e 28 de agosto uma versão da Tosca de Puccini para 16 músicos, reduzindo em mais de metade o número de instrumentos que normalmente fazem parte da orquestra. A versão reduzida ficou a cargo do compositor Francisco Lima da silva, numa produção da companhia Ópera do Castelo, encenada por Otelo Lapa e Catarina Molder e com direção musical de Jan Wierzba. Também o compositor Nuno da Côrte-real disponibilizou uma versão reduzida de Hänsel und Gretel do compositor Engelbert Humperdinck.

Estas reorquestrações são, numa altura crítica, uma oportunidade — ainda que insuficiente —, de trabalho para compositores, cuja produção será certamente analisada e discutida no futuro. Por cá, a versão de Tosca não foi unânime apesar de ter conquistado muitos no público. Por enquanto, mais do que discutir o resultado dessas reorquestrações, importa aqui sublinhar este fenómeno e o carácter resistente daqueles que procuram apesar das adversidades continuar a oferecer ao público a possibilidade de fruição cultural. É sabido as dificuldades que o setor atravessa — que no caso português não advêm exclusivamente da pandemia — e às quais se somam as incertezas atuais.

A Covid-19 tem reorquestrado muitos dos nossos hábitos, dentro e fora de palco, no mundo operático teve já lugar a uma produção própria, referida neste blog, e é, como vimos, responsável por uma série de novos arranjos. Talvez daqui a uns anos lhes chamemos «(re)orquestrações Covid-19», conscientes, no entanto, de que essas adaptações são humanas, assim como é humana a necessidade de efabulação, de criar ficções e as representar, de não cruzar os braços, de traduzir a vida — e todos os seus vírus — em diferentes formatos artísticos.


Ricardo Pereira


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