Ana Santos e Carolina Néu, Estudantes das Licenciaturas em Ciências da Comunicação (Variante Cinema) e Ciências Musicais NOVA FCSH
Estamos a viver num sonho, na memória do que outrora foi. O mundo é outro. Parece agora mais pequeno, mais fechado, mais distante. Talvez esta seja a nova realidade, porque o que é a realidade senão um sonho do qual nunca acordamos? Mas desta vez, todos desejamos acordar. Buzina um carro, acordamos. Passa um avião, despertamos. Ouvimos uma sirene, ficamos alerta. É assim que vivemos agora, alerta, inquietos, despertos, mas mergulhados numa dormência estranha que só não nos torna mais apáticos por causa do medo. Sim, vivemos no medo também. Temos medo de sair, medo de estar, medo de tocar, medo de que não acabe. Temos medo das pessoas e do mundo lá fora, mundo este que se torna um sonho ou, talvez, uma realidade cada vez mais distante.
Resta-nos o mundo cá dentro: as nossas casas. E quanto mais tempo passamos confinados a estas, mais reparamos naquilo que as compõe e preenche, aquilo a que estamos expostos diariamente. Uma destas, provavelmente das mais imperceptíveis e, no entanto, permanente, é o som. As paisagens sonoras do nosso dia-a-dia afetam-nos de uma maneira subtil, mas intensa. E só quando passamos horas acompanhados pelos mesmos sons, os mesmos ruídos, as mesmas músicas, é que entendemos a verdadeira importância que têm.
Foram publicados, no último ano, diversos artigos sobre o aumento da procura de vivendas em Portugal. Não é por acaso. Quando somos forçados a passar a maior parte do nosso tempo em casa, apercebemo-nos da necessidade de um espaço sossegado, silencioso e tranquilo, algo que um apartamento na cidade raramente nos consegue proporcionar. Uma casa não é apenas os espaços que a compõem. São também as pessoas, as coisas vivas, os cheiros, até o próprio silêncio, que tantas vezes procuramos. E quanto mais tempo passamos cativos num só lugar, mais entendemos a sua importância na nossa vida e no nosso bem-estar. O espaço importa, as pessoas importam, mas aquilo que vemos e ouvimos constantemente tem um papel fundamental… Porque quando deixamos de ouvir sirenes e começamos a ouvir o barulho das rolas, permanecemos no sonho, sem pressa de abrir os olhos e ver o mundo.
O sossego está relacionado essencialmente com o nosso controlo dos elementos que o podem perturbar, nomeadamente o som. O ideal não é necessariamente estar sempre em silêncio, mas poder convocá-lo se assim o quisermos. Silêncio em constante mudança, pois nunca é igual em parte ou lugar algum. É então o controlo – ou a falta dele – que nos proporciona um potencial espaço sossegado, agradável, tranquilo. E, na verdade, esta tese pode aplicar-se a diversas coisas, incluindo a situação pandémica que vivemos. É a falta de controlo que nos causa grande parte da ansiedade que sentimos. Não podemos controlar o vírus, não podemos controlar as pessoas, não podemos controlar as leis e não podemos controlar o tempo. Da mesma forma, quando não conseguimos controlar os níveis de ruído a que estamos sujeitos, torna-se difícil sentirmo-nos calmos.
É sabido que a poluição sonora é um problema de saúde pública. Está provado que a exposição prolongada a ruído excessivo causa uma variedade de problemas de saúde, desde stress e falta de concentração e produtividade, a perda de sono, de audição ou até, na pior das hipóteses, problemas cardiovasculares. E, sem sequer nos apercebermos, contribuímos muitas vezes para o agravamento deste problema. Quantas vezes aumentámos o volume da música nos phones porque o ruído do autocarro ou do comboio era demasiado alto? Nestas situações, estamos a sobrepor camadas de som e a aumentar a sua intensidade, o que eventualmente vai deteriorando a nossa audição, e a nossa saúde. Nestes casos, a melhor opção seria usar uns headphones com cancelamento de ruído. Mas se isso pode inibir os sons externos não evita que elevemos o volume da música que neste dispositivo escutamos. Devemos ter em mente que sons acima dos 85db são prejudiciais. Instalar no nosso telemóvel uma aplicação de medição de níveis sonoros pode também ser uma boa medida de percebermos se existe demasiado ruído no espaço em que nos encontramos.
É comum que surjam problemas de perda de audição à medida que as pessoas vão envelhecendo mas os casos de perda de audição têm vindo a aumentar e têm vindo a manifestar-se em pessoas cada vez mais novas. Muitas vezes, com o tempo, também nos vamos tornando mais sensíveis a sons que antes conseguíamos suportar melhor. Todos estes fatores são provas concretas de que temos de prestar mais atenção ao som, e à forma como o percepcionamos. A nossa saúde mental é também fortemente influenciada pelos ambientes acústicos que nos rodeiam, e é essencial que tenhamos algum controlo sobre estes para que não estejamos em permanente estado de alerta, mas é também benéfico diversificá-los, alternando ambientes animados com espaços mais calmos.
Propomos que reflitamos sobre as paisagens sonoras que nos rodeiam, e que pensemos como colaboram na produção do nosso quotidiano, das nossas experiências, emoções e expectativas.
Referências
Andringa TC, Lanser JJ. 2013. How pleasant sounds promote and annoying sounds impede health: a cognitive approach. Int J Environ Res Public Health. 2013 Apr 8;10(4):1439-61. Retirado de: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23567255/ e https://ec.europa.eu/environment/integration/research/newsalert/pdf/how_sounds_affect_state_of_mind_47si8_en.pdf
Australian Academy of Science. 2017. Health effects of environmental noise pollution. Retirado de: https://www.science.org.au/curious/earth-environment/health-effects-environmental-noise-pollution
Costa, Zulay. 2020. Pandemia de Covid-19 faz disparar procura de vivendas. Retirado de: https://www.jn.pt/economia/pandemia-de-covid-19-faz-disparar-procura-de-vivendas--12117846.html
Harvard Health Publishing. 2019. A noisy problem. Retirado de: https://www.health.harvard.edu/staying-healthy/a-noisy-problem
HealthLinkBC. 2019. Harmful Noise Levels. Retirado de: https://www.healthlinkbc.ca/health-topics/tf4173
Imagem de Paula Gomes Ribeiro
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