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E se o país não vai à cultura, a cultura vai ao país...


Vivem-se tempos de pandemia e a urgência de um novo confinamento obrigou o país a tentar prosseguir o seu rumo novamente dentro de quatro paredes. Mais uma vez, a cultura ficou à porta.


Ano de 2021. Tapam-se-nos os sentidos com plásticos que nos dificultam a perspetiva de um futuro melhor. E quando, porventura, se nos chega uma brisa mais forte, respira-se uma saudade do palco.


É inquestionável que, em pleno século XXI, e dada a intensificação da mediatização tecnológica ao longo desta fase pandémica, a música não morre sem os espetáculos ao vivo. E ainda bem. Não duvido que teria sido muito mais difícil sem este escape e refúgio de todos os problemas do quotidiano, anteriores ou consequentes à pandemia. Mas não morrer, não significa estar bem de saúde... basta pensar nos artistas e todos os outros agentes das artes do espetáculo envolvidos no processo. Porque se é verdade que a arte alimenta a alma, esta alimenta também o corpo de muitos.


Acredito que a pandemia veio também dar luz aos problemas latentes na nossa sociedade, entre os quais a cultura grita por um ventilador. Não lhe dão ventilador, nem tão pouco lhe querem dar injeções da nova vacina. Dizem-lhe para ficar em casa e esperar até que tudo fique resolvido. Felizmente, a cultura não esperou. E se o país não vai à cultura, a cultura vai ao país. Encontra-se de tudo um pouco, desde transmissões informais nas redes sociais até a produções de grande dimensão, que rapidamente perceberam o nicho de mercado que se formava; de interações com músicos já consagrados (alguns que, até então, faziam um uso meramente elementar das suas plataformas online) até a aspirantes a uma carreira musical, que viram na adversidade um momento-chave para se darem a conhecer a todo um público que procurava abstrair-se.


Mas e a prática musical da música erudita, que não assenta necessariamente em música autoral com ampla aceitação e que é, portanto, muito menos disseminada nas plataformas online e das redes sociais? Como estão esses intérpretes, cuja maioria se sustenta de representações “ao vivo”, contando apenas com ocasionais e reduzidos direitos de autor em plataformas de streaming? Difícil de o dizer claramente, uma vez que se deu muita menos divulgação mediática sobre o ramo da música erudita. No entanto, a impossibilidade de reunir formações numerosas como coros e orquestras é algo de fácil perceção, pelo que as mesmas tiveram a sua atividade paralisada. Junte-se a isto o facto de muitas dependerem de projetos elegíveis para apoio (salvo exceções como a Orquestra Gulbenkian ou a Orquestra Sinfónica Portuguesa, que contam com fundos monetários das próprias instituições), o que fomenta uma incerteza a nível de financiamento e de reagendamento, que não será automático. Contudo, também este género musical dinamizou-se num movimento de inovação e adaptação, o que possibilitou o decorrer de ensaios online (diferentes dos tradicionais, dado a presença inevitável de delay) e até experiências de concertos “montados” à distância, para os quais se gravava cada secção instrumental/vocal isolada e se sobrepunha, com todas as ressalvas necessárias. Para tal, os músicos eruditos serviram-se igualmente de ferramentas tecnológicas como o Soundtrap, o Microsoft Teams ou o Zoom, cada vez mais centrais em qualquer prática musical.


Sou também da opinião que esta pandemia nos fez perceber não só a falta que nos faz a cultura, mas também o poder que esta detém. Foi simplesmente incrível ter a oportunidade de ver o que um bom uso dos media, incluindo as redes sociais, é capaz de fazer por uma sociedade, a nível da consciencialização e alerta da população. Um brinde aos que sabem utilizar a influência que têm e cujo trabalho já se reflete numa crescente adesão a movimentos “pró-cultura”, algo visível na criação da “Acção Cooperativista de apoio – artistas, técnicos, produtores”, por exemplo. O caminho é longo (diria até que muito longo), mas a união faz e fará sempre a diferença.


E se de tudo isto é possível retirar algo de bom, arriscaria em colocar a capacidade de adaptação humana, relativamente à qual os artistas já detêm uma maior percentagem de “resiliência”, entre as maiores conquistas desta pandemia. Estou certa de que o calor humano ainda nos faltará durante algumas temporadas, dando lugar a um silêncio ensurdecedor após cada atuação online. É um silêncio que fere e castiga a sociabilidade que tão bem define o ser humano, mas não mais que a ausência da expressão artística... e por isso continuamos – firmes, embora cansados.


Ana Sofia Malheiro

Estudante da Licenciatura em Ciências Musicais

FCSH NOVA


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